sexta-feira, julho 30, 2010

Anjo Azul




Uma peça de teatro. Ou seria mais uma dramatização de pequenos
detalhes de minha própria vida que encenava? Sei que atrás das
cortinas, que separavam o público dos atores, lá estava meu espírito
entregue à mais um devaneio. Apesar de já ter superado a maioridade
cívica algumas décadas atrás , ainda persistia na atividade lúdica. O
sonho que me acompanhava desde a infância ainda era o mesmo. Talvez o
cenário estivesse sido alterado. Mas o que mudou mesmo foi apenas o
enredo do meu ponto de vista.

Cresci e aquilo que me causava medo no início de minha caminhada agora
era a cereja do bolo que dividiria dom a platéia. Mesmo assim ainda
existiam conflitos interiores que nunca me abandonavam. O enredo,é
verdade, às vezes mudava. Principalmente conforme a idade passava.
Dramas, tragédias, comédias. Às vezes com um tom mais realista, outras
tantas de cunho romântico. Muitas vezes de um expressionismo que me
levava a criar outros mundos, onde, inclusive, me refugiava nas noites
chuvosas. Ou mesmo naqueles dias que o céu amanhecia nublado.


Segundo Ato


A perspectiva da existência de Deus não me preocupava mais. Talvez
pelo fato da metáfora ser algo constante em minha vida. Uma ferramenta
de trabalho. A minha foice. O meu martelo. O súor do meu rosto.
Entendia perfeitamente o que era a Fé. Ou, valendo-se da dubiedade,
meu entendimento sobre esta questão metafísica me aproximava de um
ponto pacífico. Em todo caso ainda não compreendia o patrão, a mais
valia e a opressão do, aparentemente, mais forte sob o,
frequentemente, mais fraco.

No entanto, a casa estava cheia. Bom sinal. Não arrisquei passar perto
da bilheteria, como também evitei dialogar com quem quer que fosse.
Poderia verbalizar esta emoção como sendo uma típica ansiedade antes
da estréia de uma peça. Foi então que meus passos me encaminharam para
um camarim que julgava vago. Em um determinado momento na peça haveria
um poema que desencadearia uma série de reviravoltas, mudando toda a
concepção do espetáculo para cada um das personagens em cena.Mas
aquele papel essencial na trama estaria à cargo de alguém que surgiria
somente para recitar o crucial momento dramático. Por isso mesmo não
sabia ao certo quem o interpretaria.

Um ator? Uma atriz? deixei esta incumbência para o diretor da peça.
havia concebido a possibilidade se ser um anjo. A porta estava
entreaberta e fui adentrando como uma animal perseguido por caçadores
e que se vê diante do seu esconderijo. Deslizei sutilmente para o que
seria meu aconchego. No entanto, para minha surpresa e espanto
presenciei a beleza de um corpo nú. Uma legítima estátua grega.

A Vênus de Milo na sua forma humana. Talvez estivesse tendo um colapso
e tivesse sido cometido por uma alucinação de Michelangelo. Ao mesmo
tempo, por instinto, senti uma certa excitação de ordem física. Aquilo
ou aquela visão visão ou a possibilidade que essa mesma visão me
proporcionava mexeu não só com  minha mente, mas também com a carne.
Ela estava de costas e diante um espelho. Pelo reflexo percebi que
sentiu minha presença. Notei seu olhar que ainda tentou se comunicar.

Mas, ainda não refeito do susto, sai dali em busca de outro ambiente
para acalmar meus sentidos. não sabia ao certo o que havia visto.
Apesar da penumbra e da distância imaginei ver a nudez que não se
revelava como algo a ser apreciado. enfim, fiquei confuso.


Ato Final


Lembrei da sala de espera do aeroporto. O voo estava atrasado. Mas
este não era o motivo de minha aflição. Pensava nos negócios. Será que
desta vez tudo daria certo? Como se não bastasse meus próprios dramas
pessoais. Ainda havia mais este. No celular haviam nove chamadas
perdidas. Provavelmente a gerente do banco oferecendo um novo
empréstimo para quitar minhas dívidas. se fechasse aquele contrato
tudo estaria resolvido.


Mal conseguia concentrar meus olhos na leitura que fingia fazer
daquele artefato literário que estava entre minhas mãos. Toda essa
angústia me acompanhou durante este intercurso. A aeromoça foi
simpática e cordialmente aceitei o drink oferecido. baixou um pouco a
pressão. Então, naquele instante, pensei ter sido tocado por uma musa.

Dríade, a ninfa dos bosques e florestas. Olhei pela janela do avião e
vi um rosto feminino que sorriu. Aliás, era o mesmo sorriso que se
desenhou junto com o olhar que vi refletido no espelho instantes
antes. Tudo correu bem. As cortinas não foram uma fortaleza
instransponível para a platéia que aplaudia ao fim da encenação.
Alívio. Logo mais fomos todos , da trupe teatral, comemorar em uma
cantina toda a receptividade e acolhida do público.


Ao degustar mais uma taça de vinho pude observá-la melhor. Ela era
linda. Apesar de distante. Confesso que estava hesitante. Mas ela toda
deslumbrante. O sorriso era demasiadamente cativante. Busquei uma
aproximação. Fixei o olhar na intenção de capturar sua atenção. Queria
que seus olhos pousassem nos meus. Então, foi por pura intuição  que
notei suas asas.


Por um momento quis gritar. Pensei em apontar o dedo e revelar a
presença celestial entre nós pobres mortais. Mas um sopro de vida
conteve meu impulso. Não tinha a intenção de servir como ferramenta
para o mal. O desconhecido, às vezes assusta, e o fascínio, outras
tantas, pode colaborar para a idolatria insana que beira a fronteira
entre o bem e o maligno. Refleti que talvez devesse mesmo esconder
suas asas para não ser despedaçada. Meus olhos se encheram de lágrimas
que não deram ao luxo de se derramar. “Deixa estar como está, pois
assim nos convém cumprir toda a justiça”.

Escrito por Carlos Pompeu

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